segunda-feira, 8 de junho de 2009

conto

santos



Longe da carne, à mesa, domingo, depois de tanto tempo, de costas para o mar e de frente para aquela que o pariu. No centro da sala tomada de mofo, mobília antiga e melancolia. O almoço é servido. O prato não muda. Os talheres também. Renovou os copos de requeijão. 


A conversa é a mesma da última vez. O vestido idem. O cabelo precisa pintar. Passa o abacaxi de garrafa e aquece o arroz, sem mais água porque empapou. A TV não sintoniza direito, força prestar atenção às perguntas enquanto mastiga.


A toalha tem uma mancha que desbotou tudo ao redor. Sem piedade ou empregada zelosa. A casa está uma bagunça, o armário sem uma das portas e o quarto virou depósito. O passado é vomitado de dedo na garganta e emoldurado ou acondicionado em álbuns que são pura rinite.


Afasta a cadeira, pede licença e relembra o banheiro. A revista masculina dá lugar a um grama de anestesia. Bate no espelho de mão e cheira ao lado do Alma de Flores. Precisa agora de uma cerveja, mas só há suco concentrado. E carne moída. Ninguém merece a solidão.


Cheira maresia e molho inglês. Exagerado como o sofrimento desde que o marido partiu. É de exigir amor até das samambaias penduradas por todos os lados. Em dias sem sal, espreme limão para voltar a sentir algum sabor.


O barulho da geladeira que nunca desliga perde para o lamento de quem acha que ser gostado deve ser respondido com exclusividade servil. Arrasta a cadeira novamente e rói as narinas como a paixão o faz com o que supunha vida. 


A morte só deveria ser de susto ou vício, nunca de amor. Certezas só atrapalham o que nunca dá certo no final. Como a sobremesa que gruda na fôrma cansada dos maus-tratos na cozinha. 


O perfume forte e as lágrimas confirmam que a lógica não é de contemplar todas as partes interessadas.


A garoa aumenta a neblina e tira a cor do mar. A corrente de ar esfria o café coado de qualquer maneira. A xícara é uma apenas, a da visita. O pires não combina. O açúcar tem formiga e nem faz calor. A pia acumula desesperança.


Quando arrasta a cadeira de novo, é para sair. A marmita enrolada no pano de prato carrega a dor de quem ama demais e hoje espera a morte. Esquecida da própria identidade. Porção de rancor, prova de que não há prova de nada. A mãe de Munch fora do quadro.


Dói.


Para sair, o segredo é empurrar o portão empenado enquanto dá volta com a chave. 

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